"Fernanda, consegue me ouvir? Minha conexão tá boa?" Era uma terça-feira de manhã quando ela apareceu na tela do meu computador com os cabelos ainda molhados do banho, segurando um café que já devia estar frio. Duas crianças gritando ao fundo, ela tentando falar baixo para não acordar o bebê. "Desculpa a bagunça, mas é que… eu não aguento mais fingir que tá tudo bem."
E ali estava de novo: aquela frase que me atravessa toda vez que escuto. Porque quando vem de uma mãe, ela carrega um peso que vai muito além do cansaço físico de uma noite mal dormida.
O burnout materno é isso: é acordar já derrotada, é sentir que você sumiu no meio de tanta demanda, é carregar uma culpa que não tem fim por não conseguir ser aquela mãe perfeita que você imaginou que seria. E pior: é achar que isso é normal, que "faz parte".
O que realmente acontece quando a corda arrebenta
Eu fico pensando…a gente normaliza tanto o sofrimento materno que até esquecemos de questionar. "Ah, é assim mesmo, depois que vira mãe a vida fica difícil." Mas olha, tem uma diferença gritante entre estar cansada e estar em burnout.
Uma coisa é você ter um dia pesado e conseguir recuperar o fôlego. Outra coisa completamente diferente é você acordar já exausta, passar o dia no piloto automático e ir dormir se sentindo culpada por não ter "rendido" o suficiente.
Aliás, essa palavra "rendido" me incomoda profundamente. Como se mãe fosse máquina que tem que produzir X por dia.
Quando isso vira rotina, minha gente, não é mais cansaço, é seu sistema emocional pedindo socorro. Semana passada uma paciente me disse uma coisa que não sai da minha cabeça: "Fernanda, eu amo meus filhos de um jeito que dói no peito, mas se eu pudesse apertar um botão e sumir por uma semana… eu apertaria." E depois veio aquele olhar de culpa, como se ela tivesse confessado um crime.
Gente, isso não é falta de amor materno. Isso é exaustão emocional gritando.
A tal da mãe perfeita (que não existe, óbvio)
Posso ser bem direta aqui? Essa história de mãe que dá conta de tudo é o maior conto da carochinha que já inventaram. Trabalha, casa impecável, filhos educadíssimos, casamento perfeito, ainda sobra energia pra se cuidar…
Gente, onde vocês viram essa mulher? Porque eu nunca encontrei uma dessas na vida real. E olha que eu converso com mães todo santo dia há anos.
E o mais doido é que a gente SABE que é impossível, mas fica tentando mesmo assim. É como se tivéssemos um chip programado pra autocobrança infinita. Outro dia uma paciente chegou se desculpando porque o filho apareceu no meio da sessão pedindo lanche. "Ai, Fernanda, que vergonha, eu sou muito desorganizada."
Desorganizada nada! Ela tinha acordado às 5h para dar conta de tudo antes das crianças levantarem, preparou café da manhã pra família inteira, deixou marmita pronta para o marido, e ainda estava se sentindo inadequada porque não conseguiu prever que uma criança de 4 anos ia ter fome fora de hora.
Vocês percebem a loucura?
Os sinais que a gente ignora
O burnout materno não bate na porta anunciando "oi, cheguei!" Ele vai se infiltrando devagarzinho, e quando a gente se dá conta, já tomou conta de tudo.
Tem uns sinais que eu vejo muito aqui nos meus atendimentos de terapia com mães, e que as mães costumam descartar como "frescura" ou "fase ruim":
Aquela irritação que parece que tá sempre a flor da pele. Você explode por causa da tampa da pasta de dente aberta e depois fica se odiando porque "não era pra tanto". Ou quando você percebe que tá vivendo no automático, fazendo as coisas todas sem sentir prazer nenhum, como se fosse um robô doméstico.
Ah, esqueci de mencionar uma coisa importante: aquele choro do nada que vem. Você tá ali lavando louça e de repente…lágrimas. Sem motivo aparente. Mas na verdade tem motivo sim - é só que ele tá enterrado embaixo de tanta coisa que você nem consegue mais identificar.
E tem uma coisa que me parte o coração: quando a mãe me diz que não consegue mais lembrar quem ela era antes de ter filhos. "Fernanda, eu olho no espelho e não reconheço mais essa pessoa. Virei só a mãe da Ana e do Pedro."
Isso dói, né? Porque a mulher que você era não morreu, ela só ficou soterrada embaixo de tanta cobrança.
E tem aquelas fantasias de fuga que todo mundo tem mas ninguém conta. Sabe quando você tá no trânsito e pensa "e se eu não voltasse pra casa hoje?" Não é porque você não ama sua família, é porque você precisa respirar.
Sobre amor materno e outras mentiras
Vou falar uma coisa que pode incomodar: esse papo de amor materno incondicional é uma das maiores armadilhas que existem. Porque cria uma expectativa irreal de que toda mãe deveria sentir apenas amor puro e constante pelos filhos, 24 horas por dia.
Gente, sentimentos reais não funcionam assim!
Você pode amar profundamente seu filho E estar com raiva dele ao mesmo tempo. Pode ser grata pela maternidade E sentir saudade da sua vida anterior. Pode querer o melhor pra ele E fantasiar sobre como seria se as coisas fossem diferentes.
Isso não te faz uma mãe ruim, te faz uma pessoa real.
Uma vez uma paciente me disse: "Fernanda, às vezes eu penso como minha vida seria se eu não tivesse tido filhos, e depois me sinto a pior mãe do mundo." E eu perguntei: "Quando você pensa na sua vida profissional, você às vezes imagina como seria se tivesse escolhido outra carreira?" "Claro." "E isso significa que você odeia seu trabalho?" "Não, óbvio que não."
Pois é. A gente pode amar nossas escolhas e ainda assim se permitir imaginar outros caminhos. Isso se chama ser humana.
O caminho de volta
Olha, não vou mentir pra vocês: sair do burnout materno não é questão de encontrar uma fórmula mágica ou mais horas no dia. É um trabalho interno de reorganizar expectativas, redefinir limites e - principalmente: fazer as pazes consigo mesma.
E é lento. Às vezes frustrante. Tem dias que você acha que tá piorando em vez de melhorando.
Nas nossas sessões semanais, a gente cria um espaço onde você pode ser você mesma: cansada, irritada, confusa, contraditória. Aqui não tem cobrança por performance materna. Aqui você pode dizer que odiou o dia inteiro com seu filho sem que eu vá te dar um sermão sobre gratidão.
Inclusive, posso confessar uma coisa? Às vezes eu saio de uma sessão e fico pensando "nossa, que mãe corajosa". Não porque ela tá fazendo tudo certo, mas porque ela teve coragem de ser honesta sobre o que tá sentindo. E honestidade é o primeiro passo pra qualquer mudança real.
E é engraçado como isso funciona. Quando você para de gastar energia fingindo que tá tudo bem, sobra espaço pra você realmente melhorar.
Lembro de uma paciente que, depois de alguns meses, chegou na sessão com um sorrisinho diferente. "Sabe o que aconteceu ontem, Fernanda? Eu brinquei com a Júlia de massinha e…senti prazer de verdade. Fazia tempo que isso não acontecia."
Não era porque ela tinha virado uma supermãe: era porque tinha se permitido ser uma mãe real.
Para quem cuida de todo mundo
Se você chegou até aqui se reconhecendo em algumas coisas, eu quero que você saiba de uma coisa: o burnout materno não é sobre você não ser suficiente. É sobre uma sociedade que espera demais de você e oferece muito pouco suporte em troca.
E olha, pode parecer clichê, mas cuidar de si mesma não é egoísmo, é manutenção básica. Você não consegue cuidar bem de ninguém se estiver funcionando no modo "sobrevivência".
Buscar terapia não é admitir que você fracassou na maternidade. É reconhecer que você merece ter um lugar seguro pra desabafar, pra reorganizar suas expectativas e pra redescobrir quem você é além do papel de mãe.
Porque toda mãe merece poder tirar a armadura da perfeição e simplesmente ser - cansada, imperfeita, humana. E ainda assim, mais do que suficiente.
O amor também se aprende - e começa por você.